Muitas vezes o treinamento de elaboração de redações focado na grade ENEM leva à compreensão equivocada de que ambas as provas exigem produções textuais equivalentes. Especialmente se levarmos em consideração que o gênero exigido é o mesmo: o dissertativo-argumentativo.
Todo gênero textual (que nesse post estamos pensando também como discursivo, mas essa reflexão expressa fica para outro dia), apesar de apresentar características que o tornam reconhecível como tal, expõe também características novas e únicas a cada exemplar do gênero.
Se tomarmos a redação do ENEM e a redação da Fuvest sob uma perspectiva bakhtiniana (mais uma potencial reflexão expressa para outro dia) é possível analisar a relatividade do gênero em ambas, mas uma possibilidade de produção mais fluida e surpreendente na Fuvest.
Isto porque, do ponto de vista do Círculo de Bakhtin, nos comunicamos por meio de gêneros relativamente estáveis, ou seja, essas formas de interação apresentam características similares que nos permitem reconhecer cada gênero como tal, mas também se encontram vivas, em constante possibilidade de modificação e se apresentando com traços únicos a cada nova produção de um gênero.
Logo, toda nova redação dissertativa-argumentativa, seja da grade que for, exibe traços similares e traços novos para o gênero. Mas a grade Fuvest, historicamente (ao observarmos os temas, coletâneas das propostas e critérios exigidos), alarga as possibilidades de discussão na produção das redações.
Por meio de temas mais subjetivos, menos explícitos e múltiplos (no quesito possibilidades de pontos de vista) ao candidato é permitido (e até exigido, da perspectiva do olhar avaliador) alçar voos mais longos, justamente pela ausência de um caminho preestabelecido. É preciso se colocar no texto de forma clara e coerente, porém sem possíveis limitações de “algo a ser resolvido” necessariamente.
Assim, a grade ENEM estreita a produção, até um certo ponto, por meio da exigência da proposta de intervenção e ao carregar como dado explícito que o tema é uma problemática e que precisa de ação interventiva.
No ano de 2016, por exemplo, a redação do ENEM e a redação da Fuvest apresentaram, respectivamente, os seguintes temas:
“Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”
e
“As utopias: indispensáveis, inúteis ou nocivas?”
O tema da grade ENEM pede ao candidato, de forma explícita, a sugestão de possíveis soluções para um problema; no caso, a intolerância religiosa. E, ao fazê-lo, o direcionamento principal já se torna claro, sem necessidade de fazer escolhas tão grandes ou com tantas possibilidades de diferenciação no ponto de vista. E não estamos aqui dizendo que há algo de errado ou certo nesse formato de avaliação, mas apenas que ela se torna uma exigência específica desse exame, e que não deve ser encarada como uma característica presente em todo texto dissertativo-argumentativo.
Já o tema da grade Fuvest insere, na própria constituição do enunciado, três possibilidades de posicionamento frente ao tema “utopia”. O trajeto do texto a ser elaborado, deste modo, não exibe um caminho único, mas multifacetadas formas de se dissertar sobre o tema. É por meio, então, dessa ampliação de possibilidades na escrita da redação da Fuvest que, ainda se tratando de um texto dissertativo-argumentativo, as produções desta grade se distanciam das redações da grade ENEM e posicionam o candidato num lugar de escrita, muitas vezes, inesperado.
É indispensável lembrarmos aqui que nenhuma dessas características diferentes, todavia, deixam uma redação mais fácil que a outra, mas sim explicitam suas diferenças a serem levadas no momento da elaboração do texto e, do nosso ponto de vista, da elaboração das aulas a respeito dessas grades.
Continuaremos nossas discussões sobre a grade Fuvest nos próximos posts! Não deixe de acompanhar!
Acelera, prof!